Reforma agrária não é só dar terra ao trabalhador

Philipp Hartmann
Mestre em Ciências da AL

No Ceará, a necessidade de uma reforma agrária é evidente: três quartos dos estabelecimentos agrícolas dispõem de menos que 10 hectares. Eles absorvem dois terços da população economicamente ativa na agropecuária mas não ocupam mais de 7% do total da área aproveitável. Por outro lado, segundo dados do IBGE, os estabelecimentos maiores de 1.000 hectares representam apenas 0,2% do número total, mas ocupam uma quinta parte da área. Enquanto que, nos latifúndios, grandes faixas de terra não são utilizadas, nos pequenos estabelecimentos os lotes são de tamanho insuficiente para garantizar a subsistência dos próprios agricultores. Uma produtividade baixa, uma grande extensão de pobreza rural e um êxodo rural excessivo são algumas conseqüências lógicas disto.

Mediante a redistribuição de terras improdutivas a minifundistas ou trabalhadores rurais pode-se não só combater a pobreza das famílias deles. Consegue-se - segundo a teoria - também um aumento da produção e portanto do PIB, que beneficia a sociedade inteira. Este aumento se deve sobretudo à implementação de terra e mão-de-obra antes ociosas no processo de produção.

No Ceará, até o presente momento, foram criados 457 assentamentos da reforma agrária. Formam parte da reforma agrária do Incra que reparte terras desapropriadas e da chamada Reforma Agrária Solidária, executada principalmente por órgãos estaduais e com orientação ao mercado e à descentralização. Foram, em total, beneficiadas 22.590 famílias e redistribuidos 779.402 hectares.

Qual é o efeito destas medidas? A comparação das conclusões de vários estudos sobre assentamentos dos diferentes programas de reforma agrária no Ceará revela resultados bastante significativos: a renda obtida pelos assentados aumentou se for comparada com a sua situação anterior. Também excede a renda do restante da população rural. Mas ainda beira os limites de pobreza. A média dos rendimentos familiares mensais computados nos estudos gira em torno de 1,37 salários mínimos (incluido o consumo próprio). Este valor dificilmente bastará para cobrir as necessidades básicas dos assentados. Nem permite guardar excedentes para investimentos produtivos. Menos provável ainda parecem, portanto, um crescimento autônomo e a transformação dos assentamentos em empreendimentos modernos e competitivos.

As causas destes modestos resultados parecem se encontrar sobre tudo em dois fatores: o primeiro é, em vários casos, a falta de terra; não poucos dos assentamentos estão superlotados. Existem assentamentos que ultrapassam em até quatro vezes a sua capacidade. Em média, cada família assentada no Ceará dispõe de 34,5 hectares; isto nem atinge o tamanho de um módulo fiscal em muitos municípios - valor considerado pelo próprio Incra como tamanho mínimo necessario para atividades agropecuárias produtivas.

Maior impacto negativo ainda causa a falta de recursos financeiros. Sem receber créditos suficientes, os assentados não podem realizar investimentos produtivos como, por exemplo, a construção de sistemas de irrigação. Existem assentamentos, onde até seis anos depois da sua criação as famílias ainda não tinham recebido nenhum dos créditos previstos. Atrasos consideráveis também se constatam na realização das outras medidas acompanhantes, como o fornecimento de assistência técnica, de educação, de saúde, de eletricidade, entre outros. É mais: não há no Ceará, até hoje, nem um assentamento onde todas as medidas previstas tenham sido realizadas. Uma reforma agrária que se limita à mera concessão de terras, negligenciando o aspeto da qualidade dos assentamentos não pode gerar resultados satisfatórios.

Num enfoque macroeconômico as medidas realizadas no Ceará também resultam insatisfatórias: visto que a maioria dos assentamentos foram criados somente nos últimos cinco anos, o esforço feito parece considerável. Porém, a área afetada pela reforma agrária constitui apenas pouco mais que 10% da área considerada improdutiva e só cerca de 10% das famílias sem terra do estado foram beneficiadas até agora.

Esta extensão limitada e os modestos resultados nos próprios assentamentos não causam grandes progressos, do ponto de vista macroeconômico, num sentido de combate à pobreza ou do êxodo rural, nem de um aumento do produto agropecuário.

O caminho, pelo qual se optou, o de aumentar os esforços para fazer uma reforma agrária, é o correto. Dá motivo a certa esperança de que sejam atacados, finalmente, a concentração na estrutura agrária e a pobreza rural no Brasil. No entanto, para isto são necessárias ainda uma intensificação e uma melhoria de qualidade significantes no processo de reestruturação agrária.

Somente neste caso se poderiam obter resultados que realmente permitam falar de uma verdadeira reforma agrária.

Philipp Hartmann, mestre em Ciências da América Latina na Universidade de Colônia, na Alemanha. Hartmann apresenta hoje no seminário sobre Federalismo e Reforma Fiscal, no auditório Castelo Branco, trabalho sobre Reforma Agrária no Ceará.




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Última atualização em 24-09-1999 0.30.04
Jornal O Povo (Fortaleza/Brasil)

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